domingo, 14 de fevereiro de 2010

Amor é coisa que não se recebe: uma visão radical sobre a dinâmica dos relacionamentos

In "Não Dois, Não Um: um blog sobre relacionamentos lúcidos":

“She understands that she will never receive enough love from a relationship nor from her self-acceptance. She has realized that when she wants to feel love, all she needs to do is give love. In fact, that is the only time she feels love – when she is loving.”

“Ela compreende que ela nunca receberá amor suficiente de um relacionamento nem de sua auto-aceitação. Ela descobriu que quando deseja sentir amor, tudo o que ela precisa fazer é dar amor. De fato, esse é o único momento em que ela sente amor – quando está amando.” [tradução livre]

David Deida, Intimate Communion

 

No fim, ela acabou traindo o cara. Passou os últimos meses morando com um e se apaixonando por outro. No dia da mudança, eles conversaram com mais calma, deitados na dor um do outro. Ele declarou seu amor, disse que era louco por ela, que tinha perdoado a traição, que sequer via tudo como traição. Tarde demais: ela já estava no meio de outra história. Ao ouvi-lo sobre seu amor, confessou: “Eu não sabia de nada disso! Por que você não me agarrou antes? Por que não me disse todo dia, por que não se declarou completamente olhando nos meus olhos?”.

Ele surpreso com a reação e ela continuou: “Eu via você fechado, mal, calado. Pensei que não me amava mais. Então segui com minha vida”. É como se ela estivesse dizendo: “Se soubesse que você me amava, eu não teria feito nada disso”. Mais ainda: “Como parei de sentir seu amor, deixei de amá-lo. Tivesse você me amado, eu teria amado você também. Antes de ir embora, ela ainda admitiu: “Eu quero casar e vou casar com quem me amar”.

Eu queria não saber descrever essa história. Queria que ela fosse raridade, um caso exótico apresentado em um noticiário que ninguém assiste. Queria que ela não estivesse ao nosso redor, ou melhor, tão dentro de nós. Queria que não fosse a nossa história.

O desejo de ser amado, a ânsia de ser visto, tocado, adorado. Alguém passa por perto e imaginamos como seria se tivesse curiosidade e interesse por nós, se quisesse saber tudo sobre nós. O desejo de ser desejado. Será que consigo deixar alguém excitado, será que consigo fazer algum olho brilhar por mim? Até que alguém enfim esbarra em nós e vem com desejo, curiosidade e acolhimento. Por sermos tocados, queremos tocar. Por sermos desejados, desejamos. Ao nos sentirmos amados, amamos. Será? A carência é sábia feiticeira. Será mesmo que o amor é essa coisa passiva? “Vou casar com quem me amar”…

Se só abraçamos quem nos abraça, nunca saberemos qual a textura de nosso abraço, nunca saberemos de fato o que é abraçar. O abraço pelo qual levantamos e vamos até o outro, esse não morre, não cessa, ainda que o outro solte os braços e nos abandone. A potência de abraçar é o que importa e é por ela que sentimos um abraço, não pelo corpo exterior que nos retribui ou nos larga. Tal é a diferença entre felicidade autêntica e prazer temporário: se sentimos nossa incessante capacidade de abraçar ou se somos reféns dos braços do outro.

Eu posso estar louco, mas confesso que nunca me senti amado. Nunca senti o amor vindo de fora, de nenhuma direção: família, namoradas, amigos. Deles já senti afeto, cuidado, paixão, carinho, tudo. Mas amor? Amor é essa coisa outra.

Quando amo, quando sinto o amor circular dentro de mim, é sempre como um gesto, uma ação, algo que faço em todas as direções, de dentro para fora. Respiração, abertura, repouso. Entrega. Sentir tudo me percorrer e conseguir penetrar tudo e todos. Olhar a beleza além do outro e fazê-la florescer. Ficar aberto e fazer de minha abertura uma chave para escancarar qualquer um.

Será que algum dia já recebemos amor? Como receber uma ação que nós mesmos temos de fazer? Amor é coisa que não se recebe. Quando uma mulher oferece amor para um homem, ele recebe carinho, cuidado, toque, mas não amor. Quando um homem ama uma mulher, ela pode sentir paixão, acolhimento, segurança, mas não amor. Amor é coisa que se dá.

Música é um bom exemplo: um baterista, ao fazer seus movimentos rítmicos, tem uma experiência totalmente diferente daquele que ouve o som produzido. Nenhum som equivale à experiência de produzi-lo; assim também com afeto, cuidado e carinho em relação ao amor.

massagem Sentir com o peito nossa potência de amar é muito mais gostoso do que sentir algo passivamente vindo do outro. Quando praticamos o amor, é como se fizéssemos e recebêssemos uma massagem. A um só tempo, sentir e ser sentido, tocar e ser tocado. Quando recebemos carinho, deixamos de sentir o prazer de acariciar. Por outro lado, quando acariciamos, uma mágica acontece: simultaneamente nosso toque é a interface pela qual o outro nos acaricia também.

No amor e pelo amor, passividade a atividade se tornam um único processo. É assim que podemos explicar a misteriosa dinâmica do amor: quando amamos, somos amados, e não o contrário! A sensação genuína de “ser amado” é simplesmente o efeito de sentir o amor, de ser amor, de amar.  E isso pode acontecer mesmo que o outro não nos ame ou sequer goste de nós!

Quando Sêneca diz “Si vis amaria, ama” (”Se quiser ser amado, ame”), ele não quer dizer que o outro vai amar você de volta, mas que a sensação de ser amado vem da ação de amar, não da reação ao amor do outro.

No entanto, a sensação de ser amado existe e pode facilmente ser desvinculada de seu processo criador. Um momento de sonolência e perdemos contato com nossa potência autônoma, um lapso e temos a nítida sensação de que o amor vem do outro – o mesmo amor que nós mesmos fizemos circular! Aqueles que ficam distraídos por muito tempo começam a achar que o amor só pode mesmo vir de fora e então passam a vida nessa busca.

Mas é possível acordar. A mulher de nossa história inicial deixou vazio o objeto de amor de seu ex-namorado. Com o fim, talvez ele perceba que, ainda sem destino ou recipiente algum (”O que eu faço com tudo isso que sinto? Onde jogo esse mundo inteiro aqui?”), seu amor persiste. A ausência de foco para seu sentimento é o que o levará à descoberta do amor que não cessa e sua capacidade de direcioná-lo para qualquer pessoa. Ele então andará pelo mundo fortalecendo sua potência de amar. Bastará um olhar para praticar o amor de acordo com o tecido da relação. Com um amigo, ele se manterá aberto, presente, verá qualidades positivas, encontrará beleza e se conectará com isso, agirá a partir disso. Com sua família, com seus parceiros de trabalho, com as futuras namoradas, a mesma prática.

Ela também pode percorrer o mesmo caminho. Após o fim, perceberá que seu novo parceiro nunca conseguirá preenchê-la totalmente. Pode tentar ficar sozinha por um tempo e ler vários livros de auto-ajuda americanos sobre self-love. Isso também será insuficiente. Ela não se contentará em depender de relacionamentos, da natureza ou das artes para sentir amor – nem tampouco encontrará satisfação em amar a si mesma. Então ela talvez experimente um abraço que não seja recebido, que se mantenha mesmo quando o outro momentaneamente solta. E quando isso acontecer, descobrirá que não é necessário achar outra pessoa para continuar se sentindo abraçada. Basta continuar abraçando…

* Dedico esse post ao casal Marina e Ian, como representantes de todos aqueles que buscam agir a partir da autonomia do amor.

** Escrito sob efeito dos seguintes albuns: The Beekeeper (Tori Amos), In Rainbows (Radiohead) e Into the Wild (trilha sonora do filme com músicas do Eddie Vedder).

*** Se chegou até aqui, saiba que eu adoraria ouvir você sobre esse tema. Esse lance de só oferecer e não receber é furado! Eu escrevi, agora quero comentários. Escreva aí… ;-)

Ver também:

Casar por amor é uma péssima idéia! – Parte 1

Casar por amor é uma péssima idéia! – Parte 2

Casar por amor é uma péssima idéia! – Parte 3

Seja você a pessoa certa

 

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